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Não tenho cartão Continente. Não quero ter. É como se fosse uma pandemia, ouve-se falar disso em todo o lado, vêem-se velhinhas a comparar cartões Continente como se fossem cromos do SL Benfica de 1985. Sendo, infelizmente, obrigado a ir ao Continente de quando em vez, é impossível evitar a pergunta: “tem cartão Continente?”. Lá está, não tenho, não quero ter. Depois da minha negação ainda tentam envagelizar-me com factos como: “dá desconto”, “acumula pontos”, “dá erecções mais duradouras”, mas eu não vou na conversa delas. Se fosse na conversa delas qualquer dia andava a colar autocolantes das bombas de gasolina para comprar máquinas de barbear manhosas e ainda ter de pagar alguns 60€. O olhar que as senhoras caixeiras lançam na minha direcção é fatal: primeiro é um mirar de espanto, de quem vê pela primeira vez alguém a lançar fogo usando os seus gases intestinais. Depois o olhar muda para um olhar de desprezo, quase ódio, e por fim vem o olhar de pena, o olhar que qualquer pessoa faz quando vê o Sporting perder mais pontos. Portanto, para evitar estas situações, antes sequer de a senhora abrir a boca já estou eu a dizer “não tenho cartão Continente”. Sou o Lucky Luke das compras de hipermercado. Quando elas ainda estão a perceber o que aconteceu já eu fugi no meu Jolly Jumper. Ou Honda Civic, como preferirem.
Na minha última visita ao Continente vi o Santo Graal do frequentador de hipermercados. Uma caixa praticamente vazia: o cliente já estava a pagar e aparentemente pronto para sair. Caminhei em direcção à miragem apenas para apanhar uma daquelas desilusões. Então o cliente conversava com a caixeira sobre o supracitado cartão de descontos, numa bonita altercação. A senhora da caixa dizia que o freguês tinha 29,98€ para descontar, e ele mostrava a factura que provava irrefutavelmente que ele tinha 30,01€. A discussão tinha argumentos interessantes de lado a lado, eu senti-me como se estivesse numa amálgama diabólica entre a tertúlia cor-de-rosa e a quadratura do círculo. “Olhe que isso deve ser algum erro lá dos computadores ou lá o que é”, diz ela, ao que ele responde “Mas olhe que eu comprei um ESpirador, e custou CÓrenta euros, e descontei 30€, portanto tinha que ter, ora bem, 60 menos 30... (pausa) 30 pois.” Mas ela não se fica: “Ah pois, mas aqui diz que tem 29,98€ mas já não é a primeira vez que acontece. O máximo que posso fazer... É tipo... Mandá-lo ir ali às informações. Vá lá às informações.”. E o cliente foi. A eficácia, meu Deus, a competência...