O que eu gostava de voltar à escola. Um certo livro, de seu nome “Blues Pelo Humanismo Educacional”, de Álvaro Gomes, captou a minha atenção por trazer uma bandana (aí está, sempre quis usar esta palavra e não sabia como. Obrigado, Álvaro Gomes…) com as palavras: “O escândalo da NOVA TERMINOLOGIA”. Mau, pensei eu. Não me digam que em vez de prostituição vai passar a dizer-se fruta e em vez de corrupto passa a dizer-se árbitro. Senti-me tentado a abrir o livro e assim o fiz. Mais de metade do livro é um violento ataque a Nuno Crato, autor do best-seller “O ‘Eduquês’ Em Discuro Directo”, um livro sobre o ensino em Portugal. O Sr. Álvaro Gomes lança alguns ataques violentos e até com certo humor ao autor do "Eduquês", o que me leva a considerar fazer um convite ao Sr. Álvaro Gomes para se juntar a nós, pois também me quer parecer que ele é pior que os putos. Mas na segunda parte do livro é que está o verdadeiro interesse. O Sr. Álvaro Gomes faz um favor aos portugueses em geral e transcreve alguma da muito falada nova terminologia, directamente da portaria oficial. E é esta nova terminologia que me faz querer voltar à escola. Quais jogos de futebol intermináveis e de uma qualidade inolvidável, quais namoros às escondidas, quais aventuras de adolescência, qual quê! Eu queria era aprender a nova terminologia. Então reparem bem com o que as crianças se irão deparar nos testes:
- Explicite o valor anafórico do conector…- Identifique duas situações de catáfora…
- Dê dois exemplos de meronímia!
- Refira um acto ilocutório declarativo assertivo
- Caracterize o protótipo textual injuntivo-instrucional.
- Escreva uma frase com um sujeito nulo expletivo.
- Dê um exemplo de coerência pragmático-funcional.
- Exemplifique a modalidade deôntica de permissão.
- Identifique a co-referência não anafórica.
Ora bem, isto é tremendamente acessível. Reparem, é tão acessível que nem sequer o Word XP reconhece metade delas. Toma lá Bill Gates, que tu ficas a dever e muito aos gramáticos portugueses. E há que também ressalvar o facto que estas perguntas são dirigidas a crianças de 10 anos. Sim, essas mesmo, que ainda nem o ranho sabem limpar como deve ser e que pensam que a vida começa e acaba no espaço de tempo em que decorre a série Morangos Com Açúcar. Aliás, proponho já à TVI (se me quiserem contratar, agradeço, é só mandar um mail que eu estou disponível) que mudem o quanto antes o conteúdo dos diálogos da série. Seria qualquer coisa como:
- Oh fofa, estás linda hoje, posso apalpar-te a meronímia?- Não, tonto, hoje não porque não possuis a modalidade deôntica de permissão…
- Vá lá, eu não sou um sujeito nulo expletivo, e isto nem sequer é um acto ilocutório declarativo assertivo babe…- Mesmo assim… Tenho medo de estragar a minha co-referência não anafórica…
- Catáfora pá…
Eu via isto. Eu via isto, raios. E gravava.
A minha filha tem 3 anos e meio, e quando tiver 10 anos vai ter de saber isto. Podem imaginar o quanto estou ansioso... E como irá o Portugal rural reagir a isto? Imaginem um pai, acabado de chegar da ordenha, ouvir o filho dizer que aquela situação é de catáfora. No mínimo leva uma berlaitada nas ventas (aí está outro termo que faz parte da nova terminologia. Aqui o pessoal é culto). Prevejo belos tempos para a juventude portuguesa... Já não basta a crise económica, social e ambiental, ainda tem que aturar isto na escola...
2 comentários:
Obrigada pelo humor com que aborda a TLEBS. Confesso que me é difícil brincar com assunto tão grave, mas admito que essa seja a melhor abordagem.
Sobre o ataque ao "Eduquês (...)" de Nuno Crato, feito nos "Blues pelo Humanismo Educacional?", depois de ler este livro, acho que o autor se diverte a demonstrar à exaustão como NC, que todos vemos como o inspirador das políticas educativas actuais (!), não é mais do que "um ídolo com pés de barro". Porventura, nem de barro, já que o "Eduquês (...)" não tem pés nem cabeça!
Talvez os "Blues" devessem conduzir ao sentimentalismo, à dor da ausência real ou próxima, mas estes revolucionaram-me o espírito: causaram-me o mesmo riso que encontro com Eça, um riso ácido que coloca o dedo na ferida.
Para mim, trata-se de um livro crítico e, simultaneamente, de uma obra literária.
Não li o suficiente do livro para formar uma opinião válida sobre este. Mas também ninguém garante que mesmo que eu o lesse todo teria uma opinião válida. De qualquer forma, o que vem escrito neste site vale o que vale e não deve ser levado a sério. Recomendo a leitura dos dois livros, e cada um que faça a sua própria opinião.
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